21 março 2021

E, como hoje. também é o DIA DA ÁRVORE... A POESIA e a ÁRVORE

 


 

Certeza

 

Sereno, o parque espera

Mostra os braços cortados,

E sonha a Primavera     

Com seus olhos gelados.

 

É um mundo que há-de vir

Naquela fé dormente;


Um sonho que há-de abrir

Em ninhos e sementes.

 

Basta que um novo Sol

Desça do velho céu,

E diga ao rouxinol

Que a vida não morreu.

 

Miguel Torga



Árvore, cujo pomo, belo e brando

 

 Árvore, cujo pomo, belo e brando,

natureza de leite e sangue pinta,

onde a pureza, de vergonha tinta,

está virgíneas faces imitando;

 

nunca da ira e do vento, que arrancando

os troncos vão, o teu injúria sinta;

nem por malícia de ar te seja extinta

a cor, que está teu fruito debuxando.

 

Que pois me emprestas doce e idóneo abrigo

a meu contentamento, e favoreces

com teu suave cheiro minha glória,

 

se não te celebrar como mereces,

cantando-te, sequer farei contigo

doce, nos casos tristes, a memória.

 

Luís Vaz de Camões



As árvores como os livros 

 

As árvores como os livros têm folhas

e margens lisas ou recortadas,

e capas (isto é copas) e capítulos

de flores e letras de oiro nas lombadas. 

E são histórias de reis, histórias de fadas,

as mais fantásticas aventuras,

que se podem ler nas suas páginas,

no pecíolo, no limbo, nas nervuras. 

As florestas são imensas bibliotecas,

e até há florestas especializadas,

com faias, bétulas e um letreiro

a dizer: «Floresta das zonas temperadas». 

É evidente que não podes plantar

no teu quarto, plátanos ou azinheiras.

Para começar a construir uma biblioteca,

basta um vaso de sardinheiras.

 

Jorge Sousa Braga





Árvore verde, 

 

Árvore verde,  

Meu pensamento 

Em ti se perde. 

Ver é dormir

Neste momento. 

Que bom não ser 

'Stando acordado! 

Também em mim enverdecer 

Em folhas dado! 

Tremulamente  

Sentir no corpo 

Brisa na alma! 

Não ser quem sente, 

Mas tem a calma. 

Eu tinha um sonho 

Que me encantava. 

Se a manhã vinha,  

Como eu a odiava! 

Volvia a noite, 

E o sonho a mim.  

Era o meu lar, 

Minha alma afim. 

Depois perdi-o. 

Lembro? Quem dera! 

Se eu nunca soube 

 

                                                     Fernando Pessoa



Poema das árvores

 

As árvores crescem sós. E a sós florescem.

 

Começam por ser nada. Pouco a pouco

se levantam do chão, se alteiam palmo a palmo.

 

Crescendo deitam ramos, e os ramos outros ramos,

e deles nascem folhas, e as folhas multiplicam-se.

 

Depois, por entre as folhas, vão-se esboçando as flores,

e então crescem as flores, e as flores produzem frutos,

e os frutos dão sementes,

e as sementes preparam novas árvores.

 

E tudo sempre a sós, a sós consigo mesmas.

Sem verem, sem ouvirem, sem falarem.

Sós.

De dia e de noite.

Sempre sós.

 

Os animais são outra coisa.

Contactam-se, penetram-se, trespassam-se,

fazem amor e ódio, e vão à vida

como se nada fosse.

 

As árvores, não.

Solitárias, as árvores,

exauram terra e sol silenciosamente.

Não pensam, não suspiram, não se queixam.

Estendem os braços como se implorassem;

com o vento soltam ais como se suspirassem;

e gemem, mas a queixa não é sua.

 

Sós, sempre sós.

Nas planícies, nos montes, nas florestas,

A crescer e a florir sem consciência.

 

Virtude vegetal viver a sós

E entretanto dar flores.

 

António Gedeão

 





 

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